minima scene


ex-posto

                                            nada se vê


bell hooks

presente

pelas janelas: nossas

(cis)gularidades brancas

também na psicanálise, seus incels
que saem, à noite, da batcaverna
para vomitar blasfêmias

seiscentas 

e nenhuma palavra 

seiscentas 

e nenhuma mudança 

seiscentas

Fotografia de Lucas Porto. Fonte: disponível em: https://jornalistaslivres.org/foraborbagato-ou-a-revolucao-sera-periferica-ou-nao-sera/

Na fogueira das bruxas
Arde o genocida
(Malleus Genocides!)

genocídio é genocídio

não são

outros quinhentos

mil mil mil
vão ficar chorando até quando?
mil mil mil
chega de frescura.
mil mil mil
só se for na casa da tua mãe.

as duas meninas brincam na porta de casa 

enquanto as balas rodeiam 

rodeiam rodeiam rodeiam

Quem é o(a) autor(a) da citação abaixo? Assinale a alternativa correta:


"Dizem que a mulher é o sexo frágil
Mas que mentira absurda!
Eu que faço parte da rotina de uma delas
Sei que a força está com elas
Vejam como é forte a que eu conheço
Sua sapiência não tem preço
Satisfaz meu ego, se fingindo submissa
Mas no fundo me enfeitiça"


a) Jacques Lacan;
b) Erasmo Carlos;
c) Colette Soler citando Erasmo Carlos para exemplificar o feminismo do Lacan.

a máscara da burguesia caiu:

viva a festa na pandemia!

na cultura do estupro
a mulher é ré

e o homem ri

XV-XXI


num joelho branco

e num pescoço negro

cabem sete séculos

(a)Preciado 
fez-nos apreciar suas preciosas
palavras - pedras 
no caminho 

Human
Women
deads

Dad 
deaths and deaths 

não tinha motivos para mandar matar

bravata de presidente

O que nos faz perguntar

Há motivos para matar? 

2019

Lamas
Chamas
Manchas

derramada em sangue

agarrada à mão que não acolhe

A garota desmorona

E com ela, nossa história

tiro nas costas

sangra a menina

goza o governador 

corso das matas 
chamejante matadouro
ouro de pólvora
a despovoar as gentes 

Enquanto A fome fratura

O funesto homem em suas fartanças 

Futura aos muitos o funeral 

(obras de Ayrson Heráclito em exposição na Galeria Leme)

um casal ao relento, meio corpo na calçada, pernas esticadas

ela um tanto coberta, por coberta surrada

dois cãezinhos passeando, recém saídos do banho dos caros pets,

caminham exuberantes, a passarela dos bem cuidados

a moça estica-se ao máximo, 

afaga um dos bichinhos, fazendo valer o abismo entre eles, gritante, gigante

o tempo lento no varal da história 

faz a classe por quase todos repelida, permanecer desvalida

ela a passar a mão no brilho do pelo do cão, a estrelar a cena , mais uma vez, uma vez mais, ainda

acena ao palco assim a cena há anos repetida

negro, vestes poucas

visto deslizando, como um rei,

em alugado patinete ladeira de rica avenida

céu anil, nuvem alta na pista refletida

lados da selva-cidade

que cismam na cisma que persiste

ele vocifera verdades escarradas

valentia de quem se sabe portador

da dor tamanha de tomados

gritos 

outrora emudecidos

triste tédio

sem livros 

do índio a cara pálida
o corpo pálido
sob a terra enfim 
reconquistada

a verdade
comemoro
sem pressa

do gol à ganância

da finta à falcatrua 

do penalty à violação

em rostos novos 
nas ruas 
raiam os nãos

Bordado e costura sobre tapete. 2017. In: Randolpho Lamonier: não quis o que estava no ar (catálogo da exposição Vigília no Palácio das Artes, 2017). Arteminas, 2017.

do helicóptero

a pólvora
polvilha
sobre o povo

na Venezuela 

o tanque de guerra

joga boliche
com a multidão

estendem-se
os miseráveis
sobre o mapa

de São Paulo

lonas, panos e papelões:

a arquitetura móvel da miséria

colore a noite fria da cidade

tent(ação) nacional
o pau lá do crime
bélico bordão banal
ou o cego sou eu
que ou(vi)
oi(tenta) tiros e tal 

1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51,52,53,54,55,56,57,58,59,60,61,62,63,64,65,66,67,68,69,70,71,72,73,74,75,76,77,78,79,80tirosnumnegro

7/4/19


paleolítico

veredito elíptico:
preso político

no país dos rejeitos 

chuva de ouro 

sobre a lama

No vento a cultura
Se espalhou pela cidade
(Luz longe o museu)

O Brasil dos anos Temer
Dá frase de caminhão:
"Perigo não é um cavalo na pista,
É um burro na direção"

Fotografia de Francisco Proner Ramos. Fonte: https://www.franciscopronerramos.com/

uma homenagem hoje
(arrodeia lástima cadeia)
ao homem que soube virar
ideia 

Perro semihundido, Francisco de Goya, 1820-22 (Museu do Prado). Fonte da foto: https://www.theartwolf.com/masterworks/goya_es.htm

Numa mancha da última das pinturas negras da Quinta del Sordo, 
o anjo de Klee vê a terra nos devorando a todos. 
(E, por último, o cão de Goya...) 

Mulher do ano, boneca dos ânus
Milhas derramadas em libras
de carne, canibais sem ônus 

Preta, escurinha, cabelo duro
Nega que não nega tanto apuro
Vociferam para ti esconjuros, 
letras lentas do racismo puro 

Entre as flores da calçada
Dois paralelepípedos
(O casal mamute passeia no éden)

Butler-fly

Voem borboletas,

É tempo de pessoas nefastas

Em anos de humanos-lixos

Insanas caravanas

E boliches do pânico

O prefeito rodeado de garis
A esquerda abraçando cracudos
Todos lindos na fotografia

Na calçada sentada em trapos
Seu olhar atravessa os carros
E encontra o nada

Sobre as avenidas da capital
Marcham a democrática ordem
E o impoluto progresso

No limpo reino da dorialândia
Criança não põe dedo no nariz
Os garis usam vassouras e a polícia usa fuzis

RAP do Temer

Tem que manter isso, viu?
Viu? Isso tem que manter.
Manter isso, viu? Isso, viu?

Fiéis escudeiros de um golpe insólito
Imóveis móveis mobiliário público risco em contra mão
Dois transeuntes passam, de braços dados, e riem da colisão 

Seminu no ponto, semeando palavras 
Soltos os outros, tantos ouvidos poucos
Nulos fraseados, grito sem lavra 

Três meninos na calçada sentados
Pacotes de balas, notas de dois reais e um sorriso em cada um
Dia de muitas vendas

O sorriso torto do casal
O risoto sobrando no prato
A preta pedinte com filho no colo

Trancado em seu mundo ele passa
Aos transeuntes pesa mais seu sem-banho
Que aquele distante olhar

Vitrúvicos dóricos
Homens homenageados em 
esmurros muros cor da cinza 

Doira meus cinzas
Roída cidade
Ranzinza

Angelus Novus, Paul Klee, 1920 (Museu de Israel, Jerusalem)

Arcos defronte à íris
Arcas no fronte, flechas febris
Caras de costas, arcanjo infeliz 

Na boca do ministro
A cultura vetusta e um cálice de ódio
(Mas ainda temos Camões e Nassar)

Deitado no chão da calçada
Sob camadas
E camadas
E camadas de sujeira
Respira o mendigo

Lá vai uma chalana bem longe se vai
Carregando senadores no Lago Paranoá
Oh! chalana sem querer tu aumentas minha dor

A miséria na rua
Mas grades com pontas de lança
Protegem o interior da igreja
(Bendito seja!)

(Foto de Ricardo Stuckert. Fonte: https://istoe.com.br/galeria/confira-galeria-de-fotos-do-velorio-da-ex-primeira-dama-marisa-leticia/)

Quatro dedos sobre a mão fria
Dias sombrios 
Arremedo histórico, sem brios 

Um dois três siriozinhos
Quatro cinco seis siriozinhos
Sete oito nove siriozinhos
Dez num pequeno bote

Antes de ser assassinada
Ela escreveu o próprio nome no muro
Gesto poético de quem recusa a crueldade do nada 

Pilhas de óculos
Pilhas de calçados
Corpos magros e sem cabelos
Vida no campo


Diante do caixão, a fina flor com olhos baixos
Encaixotados por tal "acidente"
Seus segredos acidulantes expõem cruezas evidentes 

Nas mãos do florista os cravos
Na cidade grande as flores
Passeiam entre os carros

Carnaval em São Paulo

O prefeito se veste de gari

E os garis varrem sua passarela

No presídio lotado as cabeças pelo chão
E ninguém mais se lembra que o alcaçuz
Dá flores lilases na primavera

Numa estação de metrô
Rostos velhos de Bacho e Pound
Amareladas folhas em fim de outono

Ecos do caos da cidade
Invadem o oco da igreja
Zoeira profana em solene silêncio

A olhar carros parados
Vão as horas vêm os trocos
Da infância na calçada

De Havana a Santiago de Cuba
Bandeiras tremulam
Na última caravana de Fidel

Esperneantes transferências garotineas
Cabralinas fotos penitenciárias
E o Rio de Janeiro continua lindo!

Sofia sem saber, sem dilemas
Descola seus pontos fraudulentos
E nem se lembra que outrora gritara: fora Dilma! 

Na fábrica, o esforço de um pedreiro
Na pedreira, restos e rostos partidos ao meio
Na esteira da lei, rasteiras de um desgoverno 

Aos 16 anos, a estudante forma-se em ato
E informa aos deputados atônitos
Que a política se transforma, bastam hiatos

Nos contêineres de Calais
Um milhar de crianças sós
Presas soltas na selva

A jovem de 15 anos foi presa com os homens
Espancada estuprada queimada esquecida
"Debilidade mental da menina" explicou o delegado

A campainha toca,

Árvore repleta de frutas no quintal dos pessegueiros

A menina, passando, pede alguns pêssegos ou um pedaço de pão 

Topete louro, esdrúxulo retrato

Ecoa trompetes brancos, alvejador em ato

Almeja o trono, anódino pato 

O homem morde o pão de queijo
Aguardando o farol abrir
Quando a menina pobre se aproxima de seu carro
Rapidamente o esconde e limpa a boca

Com a caixa de chocolates finos na mão
O prefeito vai à prisão
E se lambuza todo vendo a democracia
Chorar no pau-de-arara

Na principal avenida do Tucanistão
Abastados jovens cantam alegremente
"Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil"

O candidato chamou a senhora concorrente de "antiga"
Ele não mais sente o cheiro de bolor de suas ideias viscosas, que fatiga!
Que lhe prendem os fios visguentos, qual o que... não se diga...

Vocifera o alfarrábio:
Com gestão, com gestão, com gestão!...
... ecoa-nos estômagos em congestão

Falanges ósseas, mãos e pés desossados,

Cruzadas estéreis, em vias de Priapo

Túmulo do cúmulo do cru devassado 

Cheia de ódio e de boa estirpe

A moça tropeça em tapetes vermelhos

Que o sangue alheio escorra? Não lhe importa! 

Um mendigo dorme na soleira da pizzaria fechada

Pelo vidro se vê lá dentro

Uma pilha enorme de caixas redondas vazias 

Degustando as notas de um vinho caro

Os intelectuais se reúnem à mesa

Discursando sobre os dramas da periferia 

Anatomia da mulher burguesa:

O silicone das vizinhas

A plástica das colegas

O botox das amigas 

Floreia em repleto amarelo o gracioso ipê 

A suma ramaria penetra a espiral farpada da mansão

Ao pé da cepa a empregada abandona o lixo dos donos 

Na sala os homens assistem o boxe

Na cozinha as mulheres lutam botox

No quintal as crianças caçam o Dustox

E lá fora os anêmicos morrem de hipóxia 

No mundo dos machos

Da bela combatente curda só ficarão as fotos

Não as ideias 

Marcha soldado cabeça de papel

Quem não marchar direito

Vai pro Jetta branco do coronel 

Saiu da Câmara tal qual atual Nosferatu 

Na câmera, retrato do cume da horda caindo

De dentro, ouvia-se: fora! Desforra, sem foro, enfim

Bandeiras vermelhas e faixas contra a ditadura

Os policiais batem nos jovens

E da janela as senhoras assistem tomando o chá 

PM num bairro de esquerda

Violência num bar da Vila

Pimenta nas empanadas 

Na avenida principal com a bandeira na mão 
A moça tira um selfie com o PM
(Realmente um sorriso vale mais do que mil palavras) 

No saco de lixo os restos do banquete dos sem fome e seus papéis nada higiênicos
Nas luvas rasgadas dos lixeiros feixes talhados por vidros de champagne

O velho mendigo deita-se na sarjeta da elite
Coça o corpo mapeado pela fome
À caça do patranho embuste da nossa miséria

No largo se apressa em dispersar os vencidos a polícia que é fiel
Talvez ela saiba que as batatas são do vencedor
(Exceto o rabanete que é do face do coronel) 

(Passeia entre os jovens a munição de elastômero)
Vai dispersa silencia a turba
E arroxa dela os lombos curvados e as pernas bambas 

Nas avenidas de São Paulo a guerra química
Oleorresina capsicum e clorobenzilideno malononitrilo
E lágrimas e lágrimas e lágrimas 

Os reflexos das faixas e bandeiras colorem o muro de policarbonato dos escudos da tropa de choque
De um lado o chumbo cinza do status quo
De outro o vermelho carne da transformação 

As pedras entram nos bancos pelos vidros
Os estilhaços da bomba entram na jovem pelos olhos
O presidente entra no palácio pela porta dos fundos 

Na tv uma mulher se defende injustiçada e indignada
À espera de que a história lhe dê voz
(E a sabiá que canta lá fora não sabe de nada...) 

Diante da tropa de choque os jovens de vermelho
Atrás deles o famoso museu de arte
Se esconde sob a fumaça das bombas 

Na praça, sem alegria, os gêmeos domingam suas pernas
Um as tem em paralisia, o outro, em lágrimas, pedala sob a exigência do pai:
Ande, paralítico! 

Ele fazia um L na parede com o sangue dela, de tanto que batia
Seu rebento, arrebenta os dentes na memória que não cessa e a batiza
Sem nome, tantos filhos e a imagem sofrida 

Ouro brilhando, anéis e brincos
guardados em cofres
No revés, uma criança brinca na devastada serra, onde morrem quilates 

Na esquina agitada um mendigo louco dispara
"Bom dia bom dia bom dia bom dia..."
E ninguém lhe responde nada 

Na calçada de saltos altos e langerie
Com traços rudes ela espera quem a compre
No termômetro do totem da praça 13 graus 

Na calçada da casa dos ricos
O homem com uniforme sujo canta e cuida das flores
Enquanto da garagem sai o sedã blindado com vidros escuros 

No pé da calçada guardado da luz
Um cego espera ajuda para atravessar a rua
Ninguém o vê  

Invade a rua o bêbado e baila
Em súbito júbilo
De obstar a cidade 

Noite fria
Malhas suéteres mantas jaquetas ponchos blusas sobretudos e cachecóis
Trapos cachaça sacos plásticos e papelões  

De longe se vê girando no ar
Os malabares do garoto prateado do farol
Burlesco instante da existência banal 

Hora do almoço num shopping em construção
Dezenas de homens pobres e de capacete descansam na calçada
(Quando estiver pronto onde estarão?) 

Dorme entre excrementos na escada da igreja o homem nojento
Descem por ela duas velhas beatas
Sorridentes e purificadas 

Setenta anos inclinada varre a calçada com a dor na cara estampada
Enfeitada passa empinada a jovem menina empolada
E atira ao chão o papel da bala

De dedo em riste vocifera a gorda mulher branca
Ouve o menino preto de olhos baixos e braços para trás
No chão os cacos transparentes e uma bola colorida 

Na poça d'água o pneu se afunda
Na calçada o menino e a babá molhados
Veem o carro ganhando indiferente distância 

Enquanto toma seu sol
Diz o velho "Meu amigo, vai com deus" a todos que passam
Guarda a senilidade o contato que ninguém mais faz 

Uma mulher aguarda no ponto de ônibus
Ela crê no livro que segura
Mas não há esperanças nos olhos que traz 

Automóveis caros entram no estacionamento da igreja
No farol um homem vende flores
E um bêbado procura latas na lixeira pública 

Nos vidros fechados dos carros do farol
Do colo da mãe pobre
O bebê vê seu nariz escorrendo 

Sem banho e com barba
No banco da praça
Horas de silêncio imóvel 

Uma moto deitada
Um corpo no chão
Nos relógios olhos aflitos

Na esquina sacos pretos gordos de lixo
Sobre eles o olhar de fome do homem magro
E em volta muitos passantes distraídos 

Um ônibus grita alto na rua feia
Cabeças braços mãos cabeças
Nenhum sorriso 

Sem sonhos, a menina não sorri diante da câmera dos homens bons
Ela sobrevive nos esgotos do mundo
Eles querem alardear que a vida começa nos muros do amor 

Apita a fábrica o fim do dia

Portões abertos - silêncio
Desfile de rostos sem vida